quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Doutores buscam emprego de gari no Rio e lembro porque não fui cobrador de ônibus em Brasília

Narro o que segue após ler que pessoas com cursos superiores, mestrandos e doutores estão a disputar emprego de gari no Rio de Janeiro.

Têm suas justificativas, aparecem os cientistas de plantão para explicar o fato.
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Aos 19 anos, em 1971, em Brasília, perdi o emprego de uns três meses numa pequena agência de propaganda que encerrou atividades.
A morar “de pendura” numa pensão, comecei a caçar outra ocupação.

Quase sem dinheiro para transporte, as longas distâncias da cidade, desconhecimento de pessoas e mercado, era acudido por D. Glória, uma costureira vizinha à pensão e que me emprestava o Correio Braziliense.

Nos classificados do jornal, com gelo na alma e na nuca, eu catava emprego, ocupação, trabalho. Nada.
Agências, jornais, gráficas, editoras, nada, nada que me “servisse” como novo ganha- pão. Corria o tempo, o prazo para pagar a pensão já esgotado.

Até que, numa manhã, vi o anúncio para cobrador de ônibus.
Os candidatos deveriam estar, no mínimo, “cursando o primário”.

Eu estava aprovado para o terceiro e último ano de Edificações, curso técnico, nível médio, da antiga Escola Técnica Federal – o que não vim a concluir, é outro caso.

Tive como certo que conseguiria uma das vagas anunciadas.

Peguei mais uma grana emprestada com D. Glória, fui para a empresa que selecionava uns dez cobradores de ônibus.
Primeiro, uma provita, que matei em cinco minutos.

Depois, uma entrevista, tocada por um jovem com perguntas como idade?, vem de onde?, já trabalhou em que?.
Quando respondi “chargista e desenhista em dois jornais e três agências de propaganda”, o rapaz pousou a caneta e perguntou por minha escolaridade.

Ao ouvir do meu quase completo nível médio/técnico o moço, firme, com serena dignidade encarou a mim e disse:
- Olhe, por sua prova, entrevista, o que já cursou, é claro que você pode conseguir uma das vagas que temos para cobrador de ônibus.

Pausou uns três segundos.
- Mas, não vou dar a vaga pra você.

Continuou:
- Tenha calma. Você vai encontrar um emprego bom, não demora. Brasília tem lugar pra jovens com formação como a sua. Acontece que se eu der o emprego a você, vou tirar a oportunidade de um rapaz ou de um pai de família que tem apenas o primário - e olhe lá - e que precisa desse trabalho MUITO MAIS do que você.

Ficou de pé, juntou minhas duas mãos num só aperto e concluiu:

- Tenho certeza que você compreendeu. Boa sorte. Adeus.


Dias depois, consegui trabalho numa agência - Studio, de Leonel Paiva - seguiu a vida, aqui estou.
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Cada qual com sua escolaridade, entrevistador e história.

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