quinta-feira, 28 de dezembro de 2006

Chaves

Radialista, já falecido, Olívio Cabral era capaz de falar absurdos, divertidas e inofensivas mentiras em voz muito séria, empostada, clara, resultado de muitos anos de locução.

Coisas assim:

Quando atendia em seu escritório algum rapazote para cobrar dele algo como uma duplicata, Olívio, solene, informava ao moço:
- Volte aqui no Natal, 'tá bem, meu filho?

Era, digamos, fevereiro, o rapaz falava do seu difícil trabalho, do rigor da empresa cobradora e Olívio:

- No Natal, meu filho. Volte no Natal. Época de festa, todo mundo dá presentes...


Volta às chaves.

Diante da caixa do banco, separadas do público pela lâmina de vidro no balcão, estavam muitas chaves em diversas argolas num grande chaveiro, tipo mosquetão.

Alguém, na fila do banco onde eu estava, comentara “esqueceram um chaveiro.”

Lembrei Olívio, falei para a caixa:
- Esqueceram essas chaves aí, né? É muita chave, deve ser de algum porteiro, zelador...

A caixa olhou para mim, curiosa, pegou uma das chaves:
- Essa aqui, não será de carro?

Eu:
- Não. Com certeza, não. Parece chave de porta
principal de apartamento, escritório...

- E essa aqui, não é de carro?
- Não. Nenhuma aí é de carro. Essa miúda acho que é de caixa postal... Essa outra - apontei para uma pesadona - parece ser de um cadeado grande.
Impressionada e simpática a funcionária perguntou a mim:

- O senhor é
chaveiro?

Eu, compenetrado e em sincera homenagem à memória de Olívio Cabral:
- Não, senhora. Ex-prisioneiro.


Peguei de volta o boleto que tinha quitado, esfreguei um pouco o pulso direito e, apalpando os bolsos, saí rápido do banco.

Acreditem no que digo.

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